Doença hepática gordurosa em crianças e adolescentes

A epidemia de obesidade na população adulta e pediátrica aumentou drasticamente nas últimas duas décadas, e à medida que cresce a prevalência de obesidade cresce também a de suas complicações. Uma das complicações mais comuns da obesidade infantil é a doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA). A DHGNA é um problema de saúde pública, sendo considerada uma das principais causas de doença hepática crônica em crianças e adolescentes. É a terceira causa de indicação de transplante hepático nos Estados Unidos. Estima-se que se torne a indicação mais comum de transplante hepático nos próximos 10 a 20 anos. A DHGNA é uma doença caracterizada por acúmulo excessivo de gordura na forma de triglicérides no fígado (acima de 5% dos hepatócitos). Abrange diversas condições, que vão desde uma esteatose simples, na qual ocorre acúmulo de gordura nos hepatócitos sem inflamação, até a esteato-hepatite não alcoólica (EHNA), na qual ocorre atividade necroinflamatória lobular. A esteato-hepatite pode evoluir para cirrose e carcinoma hepatocelular. A patogênese da DHGNA é multifatorial, havendo uma interação entre fatores genéticos e ambientais. A hipótese mais aceita para a patogênese da EHNA é a “hipótese dos múltiplos impactos”, segundo a qual a síndrome metabólica exerce um importante papel devido à resistência à insulina e ao processo pró-inflamatório mediado por diferentes proteínas e componentes imunitários. Resumindo, o primeiro passo consiste no acúmulo de ácidos graxos nos hepatócitos, o que aumenta a susceptibilidade dos mesmos a insultos secundários (stress oxidativo, disfunção mitocondrial, superprodução e liberação de citocinas pró-inflamatórias e ativação de mecanismos imunológicos). A biópsia hepática é o único método capaz de diferenciar a esteatose da esteato-hepatite e de realizar a graduação da doença. Entretanto, como é um método invasivo, outros métodos, indiretos, têm sido utilizados, dentre eles exames de função hepática (ALT, AST, GGT), exames de imagem (ultrassonografia e ressonância magnética) e marcadores de fibrose hepática. Crianças com DHGNA geralmente apresentam elevação das enzimas hepáticas. Entretanto, cabe salientar que testes de função hepática normais não excluem a presença da DHGNA e que a sensibilidade da ultrassonografia é muito baixa quando a quantidade de gordura no fígado é menor do que 30%. Em relação ao tratamento, as mudanças de estilo de vida são fundamentais em qualquer tentativa de reverter o curso da DHGNA/EHNA, e por enquanto não foi aprovada nenhuma terapia medicamentosa baseada em evidências para essas patologias. Várias terapias farmacológicas têm sido testadas nos últimos anos. Estudos utilizaram, por exemplo, vitamina E ou metmorfina para tratamento da DHGNA, entretanto não houve diferença estatística significante em comparação a placebo. Mais recentemente outros estudos demonstraram que a suplementação da dieta com ácido docosa-hexaenoico (DHA) aumentou a sensibilidade à insulina, com redução paralela da resistência insulínica e diminuição do conteúdo de gordura no fígado. Este tratamento, aliado a dieta e exercícios, melhorou a esteatose hepática e reduziu também os níveis de triglicerídeos e ALT. Entretanto, o combate à obesidade e suas complicações metabólicas por meio de aumento da atividade física, adequação da ingestão alimentar e consequente redução de peso, gradual e sustentada, é a melhor forma de prevenir e combater a evolução da DHGNA.